Amazônia negra que protege o clima: quilombos retêm metade do carbono do Brasil e levam documento histórico à COP 30

  • 20/11/2025
(Foto: Reprodução)
Painel debate papel dos quilombolas na preservação das floresta No Dia da Consciência Negra, a luta quilombola vive um marco histórico. Pela primeira vez, quilombolas apresentam ao Brasil e ao mundo uma proposta própria de política climática. A NDC Quilombola — Contribuição Nacionalmente Determinada, que é o compromisso apresentado pelos países no Acordo de Paris — levada à COP30, sediada em Belém, reivindica que esses territórios, tradicionalmente reconhecidos como espaços de resistência negra e ancestralidade, sejam entendidos também como protagonistas na proteção do planeta. E essa reivindicação se sustenta em fatos. Um levantamento recente da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) mostra que, nos 496 territórios quilombolas já referenciados na Amazônia Legal, a floresta em pé garantiu, em um único ano, o estoque de 1 bilhão de toneladas de CO₂. No mesmo período, o Brasil emitiu cerca de 2,3 bilhões de toneladas. Na prática, os quilombos amazônicos seguraram no solo quase metade do carbono que o país lançou na atmosfera. Para Denildo Rodrigues, o Biko, coordenador nacional da CONAQ, esse dado explicita o que o Brasil demora a reconhecer: “Investir em territórios quilombolas é apostar no equilíbrio climático.” A apresentação da NDC Quilombola marca um divisor de águas. É a primeira vez que afrodescendentes interferem diretamente nas metas climáticas oficiais do Brasil, defendendo algo que há décadas deveria ser consenso: não existe política climática eficaz sem titulação e proteção dos territórios quilombolas. “Para nós é muito importante, é histórico e também é motivo de orgulho, porque conseguimos mostrar para o mundo aquilo que o mundo não enxergava. A nossa NDC vem com metas, com apontamentos e com dados muito importantes sobre regularização fundiária e sobre o nosso papel no equilíbrio climático.” Denildo Rodrigues, o Biko, coordenador nacional da CONAQ Gota/CONAQ O que querem os quilombolas A sigla NDC — que vem do inglês Nationally Determined Contribution — significa "Contribuição Nacionalmente Determinada" e se refere aos compromissos do Brasil sob o Acordo de Paris para reduzir emissões de gases de efeito estufa. A NDC Quilombola reúne as principais demandas para que o país trate os quilombos como aliados centrais na ação climática. O ponto-chave é a titulação: sem segurança territorial, políticas ambientais não se sustentam. Hoje, 87% dos quilombos do país não têm título definitivo, e a proposta pressiona o governo a destravar a regularização de centenas de territórios. A CONAQ defende que a NDC Quilombola seja incorporada como anexo oficial da NDC brasileira, reconhecendo esses territórios como pilar estratégico da política climática. Há base científica para isso: estudos mostram que terras quilombolas conservam muito mais floresta que as áreas vizinhas, chegando, em partes da Amazônia, a manter quase toda a cobertura preservada. O documento também cobra medidas de adaptação para comunidades negras rurais, financiamento direto para organizações quilombolas e o reconhecimento do racismo ambiental nas políticas climáticas. Em síntese, a NDC Quilombola afirma que proteger territórios quilombolas não é apenas fazer justiça histórica: é enfrentar a crise climática com soluções já existentes. Guerra do dendê no Pará: avanço da plantações de palma no Pará tem provocado conflito com comunidades locais Tarso Sarraf/O Liberal A luta no Pará: uma Amazônia negra sob pressão No Pará, essa agenda ganha contornos ainda mais urgentes. O estado tem cerca de 135 mil quilombolas, a quarta maior população do país, distribuída em áreas continuamente pressionadas pela expansão agrícola, pela mineração e por grandes empreendimentos. Esses territórios protegem rios, florestas, igarapés e sistemas agroextrativistas que combinam produção de alimento e conservação. Mantêm vivas práticas que estabilizam clima, solo e biodiversidade. É esse conjunto — floresta em pé, água protegida, vida comunitária — que torna os quilombos paraenses essenciais para qualquer plano climático sério. “A titulação quilombola é um direito. Mas também é dever do Estado garantir esse direito, porque proteger o nosso território é proteger o clima", destaca Biko. Guerra do dendê no Pará: quilombolas realizam limpeza de cemitério da comunidade que fica dentro de área controlada pela Agropalma no Pará, em outubro de 2021. Reprodução / Associação dos Remanescentes de Quilombos Comunidade da Balsa, Turiaçu, Gonçalves e Vila Palmares do Vale do Acará Apesar disso, a vulnerabilidade fundiária é profunda. Das 125 áreas quilombolas reconhecidas pelo Estado, apenas 62 são tituladas. Metade dos territórios segue sem segurança jurídica. O governo do Pará titulou 44 áreas desde 2019, beneficiando 3.801 famílias, mas o Incra não concluiu nenhum processo de titulação quilombola no estado desde 2018, deixando dezenas de comunidades em limbo. Em Santarém, muitos processos tramitam há mais de 18 anos; na superintendência de Belém, há territórios que esperam há duas décadas apenas a ida do Incra a campo. Nesse intervalo, aumentam os conflitos e as ameaças. Um dos mais notórios cenários de tensão ocorre no nordeste paraense, onde a comunidade quilombola do Alto Acará vive um grave conflito territorial que ganhou o nome de “Guerra do Dendê”, marcado por acusações de grilagem, cartório-fantasma e confrontos entre empresas do cultivo de óleo de palma e comunidades indígenas e quilombolas. Relatórios apontam que a expansão da monocultura do dendê sobre áreas tradicionais cria um cenário de violência, impunidade e violação de direitos, com territórios titulados apenas parcialmente, comunidades expostas à violência de seguranças de empresas e à perda de controle sobre seus modos de vida. “Territórios não regularizados ficam à mercê”, alerta Biko. “A Guerra do Dendê, no Alto Acará, mostra isso com clareza: comunidades quilombolas vulneráveis, pressionadas por grandes empreendimentos porque o Estado não concluiu a titulação.” LEIA MAIS: 'Guerra do dendê' no Pará tem acusação de grilagem, cartório-fantasma e conflitos entre empresas, indígenas e quilombolas VÍDEOS com as principais notícias do Pará

FONTE: https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2025/11/20/amazonia-negra-que-protege-o-clima-quilombos-retem-metade-do-carbono-do-brasil-e-levam-documento-historico-a-cop-30.ghtml


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