Petição quer aumentar multa à Prefeitura de Belém por não reabrir restaurante popular
11/12/2025
(Foto: Reprodução) Restaurante Popular Desembargador Paulo Frota, em Belém.
Divulgação
Uma nova petição quer aumentar a multa aplicada à Prefeitura de Belém por descumprir ordem de reabrir o restaurante popular dentro do prazo de 90 dias, que encerrou no último dia 3 de dezembro.
Na movimentação, a Defensoria Pública do Pará (DPE) e a Associação Comitê Pará da Ação da Cidadania pedem multa de R$ 10 mil por dia, antes era R$ 1 mil, além do bloqueio orçamentário de até R$ 2 milhões para forçar a reabertura.
A prefeitura negou que haja atraso na reabertura e disse, em nota, que "o prazo encerra somente em 3 de março, contando apenas dias úteis" - (veja a íntegra do posicionamento ao fim da reportagem). Já a DPE afirma que são dias corridos.
O restaurante, localizado no bairro da Campina, está fechado desde 6 de fevereiro de 2025, quando não houve renovação do contrato com a empresa CZN (Corrêa e Reis Ltda.), responsável pelo fornecimento de refeições.
À época do fechamento, o equipamento servia aproximadamente 1.300 refeições diárias a apenas R$ 2, com subsídio da prefeitura, atendendo prioritariamente pessoas em situação de vulnerabilidade social, moradores de rua, idosos, trabalhadores informais e famílias de baixa renda.
Em julho de 2025, a DPE protocolou uma Ação Civil Pública junto à 5ª Vara da Fazenda Pública de Belém solicitando, em caráter de urgência, a reabertura do restaurante em até 10 dias.
A juíza Rachel Rocha Mesquita acatou parcialmente o pedido em setembro, concedendo prazo de 90 dias corridos para que o Município promovesse "todas as medidas administrativas, orçamentárias, operacionais e estruturais necessárias" à reativação do serviço, observando rigorosamente normas sanitárias e de segurança alimentar.
A decisão fixou multa diária de R$ 1 mil em caso de descumprimento, limitada a R$ 50 mil, a ser revertida ao Fundo Estadual de Direitos Difusos. Apesar da clareza da ordem judicial e da imposição de penalidades, a prefeitura permaneceu manteve o restaurante fechado em "flagrante desobediência à determinação judicial", conforme afirmou a DPE na petição protocolada na quarta-feira (10).
Insegurança alimentar
O fechamento do restaurante ocorre em um contexto de crise humanitária de insegurança alimentar, segundo a Defensoria. Belém concentra um dos maiores índices de fome do país, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua de 2024, apontando que 44,6% dos domicílios paraenses estão em situação de insegurança alimentar. É o maior índice entre todos os estados brasileiros.
No nível grave, quando a fome atinge também crianças e adolescentes, o Pará registra 7% dos domicílios, proporção quatro vezes superior à do Sul, que apresenta apenas 1,7%.
Para a defensoria, o Restaurante Popular representava um equipamento estratégico na política de segurança alimentar da capital. O fechamento "aprofunda a situação de insegurança alimentar da população atendida, comprometendo direitos fundamentais", afirmou a Defensoria na petição.
A Prefeitura sustentou em defesa que o restaurante não foi propriamente "fechado", mas precisava de readequações estruturais e sanitárias, além de novo procedimento licitatório após o vencimento do contrato anterior.
Documentos técnicos anexados pela gestão municipal identificaram problemas no sistema hidrossanitário, incluindo caixas de gordura na área de manipulação de alimentos, ralos recebendo esgoto gorduroso, mistura de efluentes sanitários e águas pluviais, ventilação ineficiente e proximidade inadequada entre o sistema de tratamento e o poço de captação.
A Prefeitura também apontou irregularidades no processo licitatório anterior, citando inexequibilidade da proposta vencedora, que oferecia refeições a R$ 6,28 quando a estimativa era R$ 9,50 e a média de mercado, R$ 12,91. Aditivos contratuais posteriormente aumentaram esse valor para R$ 11,30, representando uma variação de 80% em relação ao preço original.
A nova gestão municipal, iniciada em 2025, prometeu prioridade na reabertura do restaurante e informou que as adequações estariam concluídas no prazo de 90 dias, prevendo a volta do funcionamento ainda no mês de novembro de 2025. Mas, a reabertura não ocorreu no prazo estabelecido.
Processo judicial
Inconformado com a sentença de primeira instância, o Município de Belém interpôs um Agravo de Instrumento junto à 2ª Turma de Direito Público, solicitando a suspensão dos efeitos da decisão e argumentando que a determinação violava o princípio da separação dos poderes, a discricionariedade administrativa e a liberdade orçamentária municipal.
O desembargador Mairton Marques Carneiro, ao analisar o pedido, indeferiu a solicitação e manteve a efetividade da decisão. No voto, ele enfatizou que "o dever de obediência aos princípios que regem a Administração Pública, entre os quais se destacam a legalidade, a eficiência e a continuidade do serviço público, impõe ao gestor público o ônus de planejar, com a devida antecedência, os atos administrativos necessários à manutenção ininterrupta das ações estatais".
O desembargador ainda criticou a alegação de que a licitação é obstáculo intransponível, afirmando que "não se pode admitir que o imperativo legal de licitação, cuja finalidade precípua é garantir a moralidade e a eficiência dos gastos públicos, converta-se, paradoxalmente, em obstáculo ao exercício de direitos sociais constitucionalmente assegurados".
A decisão, de 5 de dezembro, reforçou que o descumprimento é "inaceitável" e que direitos fundamentais como alimentação exigem "resposta jurisdicional célere e eficaz, conforme preconiza o art. 6º da Constituição Federal".
Novo pedido e bloqueio orçamentário
A petição protocolada em 10 de dezembro pela Associação Comitê Pará da Ação da Cidadania, representada pelo advogado João Carlos da Silva, pede a efetivação imediata da tutela de urgência.
Entre os pedidos está a majoração da multa diária de R$ 1 mil para R$ 10 mil, argumentando que "a resistência injustificada do ente público em cumprir a liminar exige medidas suficientemente coercitivas e aptas a compelir o cumprimento imediato da ordem".
Considerando o impacto social da não reabertura e a duração do descumprimento, a petição também pede que o montante de multas já acumuladas seja executado imediatamente.
Como medida subsidiária, a petição solicita o bloqueio orçamentário de R$ 2 milhões via Sistema de Informações de Direitos Creditórios Não Tributários do Setor Público Federal, o SISBAJUD, para garantir a reabertura e funcionamento mínimo do restaurante.
A Defensoria quer ainda intimação da prefeitura para cumprimento em "prazo improrrogável, sob pena de responsabilização pessoal das autoridades envolvidas" e encaminhamento ao Ministério Público para apuração de eventual ato de improbidade administrativa.
O que diz a prefeitura
A Prefeitura de Belém respondeu com a seguinte nota:
"O prazo judicial termina somente em 3 de março de 2026. O Município foi intimado da decisão em 18 de setembro de 2025.
Por lei, esse tipo de prazo — para cumprir decisões judiciais — é contado apenas em dias úteis e a decisão fixou a obrigação em 90 dias úteis.
Essa regra foi reafirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, e o próprio sistema do Judiciário (PJe) já registra que o prazo final encerra em 03 de março de 2026.
Portanto, o prazo ainda está em curso, e não há qualquer atraso."
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